Outubro 6, 2024

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ETs no Brasil? Mistérios gravados na rocha há milhares anos

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“A história da pré-história do Brasil é uma coisa fabulosa”, explicava Juvandi de Souza Santos, pesquisador da Universidade Estadual da Paraíba. Debaixo de um sol digno de um meio-dia paraibano, ele completou o raciocínio: “Basta ver isso aqui”, apontando para um paredão de 50 metros de comprimento, quase quatro de altura e repleto de gravuras feitas há pelo menos cinco mil anos.

Estávamos diante da Pedra do Ingá, um sítio arqueológico localizado no agreste da Paraíba, a cerca de 100 km de João Pessoa e a 40 km de Campina Grande.

Tombada pelo IPHAN como Patrimônio Nacional em 1944, a Pedra do Ingá é o melhor exemplo – a obra-prima – do que é uma itacoatiara, palavra em tupi que significa algo como “pedra riscada”.

Ali estão figuras de diversos formatos, perfeitamente gravadas na gnaisse, um tipo de formação rochosa que existe na região e que também marca presença em outros cartões-postais importantes do Brasil, como o Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro.

Juvandi crava, sem medo de ousar: a Pedra do Ingá é um dos sítios arqueológicos mais importantes do mundo.

 

 

“Em todo o planeta nós temos registros de pedras gravadas. Elas estão na África, no continente americano, na Europa, na Ásia e na Oceania. O sítio arqueológico itacoatiara do Ingá torna-se importante pela quantidade de gravuras que tem. E também pela beleza cênica. Esses dois pontos acabaram por transformar a Pedra do Ingá num dos sítios arqueológicos mais importantes do planeta. E no Brasil sem sombra de dúvidas que a Pedra do Ingá é o sítio arqueológico com gravuras rupestres mais importante”.

Juvandi de Souza Santos – UEPB 

São três painéis de gravuras, além de desenhos marginais. Ao todo, o sítio arqueológico conta com cerca de 400 gravuras feitas na rocha, das mais variadas formas. Frente a frente com a Pedra do Ingá, é difícil impedir a imaginação de fazer seu trabalho, enxergando formas que poderiam ser humanas, de animais e até de planetas.

O problema é justamente esse. “É melhor a gente não tentar interpretar (os desenhos). Aconselho que o indivíduo que venha aqui apenas os contemple. É que uma determinada figura pra você pode ser uma coisa, pra mim pode ser outra completamente diferente”, explica Juvandi.

Pouca gente segue a dica, o que resulta numa série de mitos, muitos deles amplamente difundidos – algumas vezes até em reportagens sobre o assunto. Por exemplo, é fácil encontrar relatos que garantam que as inscrições feitas na Pedra do Ingá são semelhantes às da Ilha de Páscoa, no Chile, ou até com desenhos fenícios. O pesquisador é claro: tudo isso é puro mito.

Antônio Marcos, que trabalha diariamente com visitas guiadas pelo sítio arqueológico, conta outros mitos que contribuíram para fazer a fama da Pedra do Ingá.

Tem um mito que fala que a Pedra foi gravada pelos portugueses e que dentro dela tem um tesouro. Esse foi um dos motivos pra ela ir sofrendo com vandalismo por muitos anos, já que o pessoal da região acreditava nisso e acabou depredando o local, em busca do tal tesouro. E outro mito é o da mulher que oferecia um pote de ouro para as pessoas. Só que quando você aceitava, ela te trancava dentro da pedra.

Antônio Marcos, guia na Pedra do Ingá

Mas o mito mais difundido – ultrapassando as divisas da Paraíba – envolve a ufologia. “Isso ocorre por causa da perfeição das gravuras, que são profundas, bem feitas. Com isso, muita gente costuma atribuir os desenhos a seres de outros planetas”, diz Antônio Marcos.

Arqueólogo e historiador, Juvandi de Souza Santos não se incomoda com essa versão interplanetária, que segundo ele acaba ajudando na divulgação da Pedra do Ingá. Mas, por mais que muitas perguntas sobre o local permaneçam sem resposta, a ciência já formulou hipóteses consistentes sobre esse sítio arqueológico, que foi produzido há milhares de anos. E, claro, por seres humanos.

 

 

 

Como foi feita a Pedra do Ingá

A resposta para o mistério passa pela gnaisse, o tipo de pedra que forma o sítio arqueológico, que não é muito dura. Para entender isso é preciso se lembrar da Escala de Mohs, usada para determinar o grau de dureza de minerais: o mineralogista alemão Friedrich Vilar Mohs atribuiu valores, de 1 a 10, para diferentes minerais existentes na Terra.

O diamante, material mais duro e que pode arranhar qualquer outro, tem grau de dureza 10. Já o talco, que pode ser arranhado até com a unha, tem grau de dureza 1.

A gnaisse não é uma rocha tão dura, com grau entre 3 e 5. Para riscá-la foram utilizados seixos (fragmentos) de quartzo, que existem dentro do riacho do Ingá. Os indivíduos pegavam esses seixos, com as pontas afiadas, e começavam a picotear a rocha. Davam mais ou menos o contorno que eles queriam gravar. Depois vinha o processo de raspagem. Aí a gravura estava praticamente pronta e começava o aprofundamento e o polimento. Faziam isso com areia, água e seixo rolado. Foi uma espécie de lixa primitiva.

 

 

Teoria que foi testada na prática por Dennis Mota, condutor de ecotrilhas e pesquisador de arqueologia. Morador de Ingá, ele percebeu a paixão pela arqueologia cedo, ainda criança. “A pedra me intrigou. Quais povos teriam feito aquilo? Como teriam feito? Foi algo que nunca saiu da minha cabeça”, diz ele.

Após ler muitos livros, assistir a documentários e até redescobrir um sítio arqueológico na região, Dennis se debruçou no método usado para fazer as gravuras da Pedra do Ingá. “Eu notei que alguns arqueólogos já citavam o processo, mas que ninguém tinha colocado a mão na massa, vamos dizer assim, para testar e realmente provar se era dessa forma que eram feitas as inscrições”, completa.

Dennis percorreu o rio e o terreno nos arredores da Pedra do Ingá em busca de rochas que fossem mais duras que a gnaisse. E encontrou seixos de quartzo, de grau de dureza sete.

Eu comecei a bater uma pedra na outra e fui formando um capsular, que é a gravura que dá origem a todas as outras formas, um buraquinho. Eu experimentei, tive paciência e persistência. Conforme fui batendo na rocha, eu fui conseguindo o resultado, que ia ficando cada vez melhor. Então eu formei a gravura por meio desse processo de picoteamento. Depois, eu peguei um material abrasivo, que seria a areia. Molhei a pedra, peguei novamente o seixo e comecei a esfregar na gravura. Isso foi diminuindo as imperfeições. Conforme foram ficando profundas, eu fiz a terceira etapa, que é o polimento. Isso explicou uma coisa que intrigava muito os arquélogos, que é a questão das bordas serem perfeitas.

Dennis Mota, condutor de ecotrilhas e pesquisador de arqueologia

Com essa técnica, um tipo de arqueologia experimental, Dennis comprovou o método de trabalho dos criadores da Pedra do Ingá. “Tudo que nossos povos tinham era o conhecimento da natureza dos minerais. Eles sabiam como trabalhar cada tipo de rocha. Não houve tecnologia avançada para produzir aquelas itacoatiaras”, explica ele.

 

Pedra do Ingá: Idade e por que foi feita?

Se o método de trabalho é conhecido pelos pesquisadores, não se sabe com certeza há quanto tempo as gravuras foram feitas. É que o terreno e as condições climáticas da região não permitiram testes que forneçam uma datação direta. Mas, baseados em datações de sítios arqueológicos nos arredores, os pesquisadores estimam que as itacoatiaras de Ingá tenham entre cinco e sete mil anos.

Essa estimativa ajuda a responder outra parte do mistério: quem foram as pessoas que deixaram aquelas inscrições? Para Juvandi, a Pedra do Ingá foi gravada ao longo de décadas – talvez séculos – e por incontáveis indivíduos diferentes.

E, por conta da antiguidade dos desenhos, os autores das inscrições não foram os mesmos povos indígenas que os conquistadores europeus encontraram naquela área, há apenas 500 anos: os tupis e os cariris.

“Muito provavelmente os grupos humanos que fizeram a Pedra do Ingá foram sendo extintos, por fome, seca, guerras… Aqueles grupos sumiram e outros, oriundos de outras regiões, migraram para cá”, explica.

 

 

 

 

O pesquisador conta ainda que há uma teoria para uma das perguntas mais importantes: por que os desenhos eram feitos e o que eles significavam. A resposta está na água, um item valioso naquela parte do agreste paraibano.

No geral, esses sítios estão muito próximos a leitos de rios. E os grupos humanos que viviam aqui há cinco mil, seis mil anos, já presenciavam uma escassez de água muito grande. Na Pedra do Ingá, por trás do painel nós temos o Rio Bacamarte, e nesse rio nós temos caldeirões onde dá para acumular água por três, até cinco anos. Então nada mais interessante que esse grupo vir aqui e deixar registrado que naquele lugar, mesmo no período de seca, de falta de chuva, se poderia encontrar água. Esse tipo de sítio, gravado em suportes rochosos, tinha essa serventia, ser uma espécie de mapeamento.

 

 

 

A Pedra do Ingá e o turismo

“Me criei nessas pedras, conhecendo, vendo, sem ter a menor ideia do que se tratava. Meus avós e meus pais também não sabiam”. Quem conta a história é o Vavá da Luz, Secretário de Turismo de Ingá, cidade com 18 mil habitantes.

Foi só depois de sair da terra natal para trabalhar, como carregador de malas num hotel, que seu Vavá descobriu a importância das itacoatiaras. “Um avião chegou e com ele 40 repórteres europeus, que foram para o hotel. Logo descobri que eles vinham para o Ingá. Não entendia o que eles iriam fazer aqui. E só na madrugada é que o intérprete me disse: a comunidade europeia mandou esses repórteres para registrar um dos patrimônios da humanidade, um dos enigmas da humanidade, que são as Pedras do Ingá”, relata.

Três décadas depois, Vavá da Luz voltou a morar no município, já com o cargo de Secretário de Turismo. Encontrou a principal atração da cidade convertida em turismo de lazer – o rio próximo ao sítio arqueológico era utilizado pelos moradores como balneário.

“Começamos a transformar esse turismo de lazer em turismo pedagógico. Hoje recebemos, durante o período letivo, dois ou três ônibus diariamente. São alunos não só da Paraíba, mas dos estados vizinhos”, garante.

 

 

 

Na década de 1940, após um pesquisador francês descobrir que as rochas dos arredores estavam sendo extraídas para fazer o calçamento das ruas de João Pessoa, o IPHAN tombou o monumento – foi o primeiro sítio arqueológico pré-histórico tombado no Brasil. “A partir daí já deveria ser clara a grande importância do local, mas as autoridades tombaram e esquecerem”, diz Vavá da Luz.

Hoje, 40 hectares ao redor do sítio estão protegidos e os antigos donos já foram indenizados. Um pequeno museu e uma cafeteria servem de apoio para os turistas que desembarcam diariamente, mas faltam coisas básicas, como bancos. A entrada custa R$ 5 e muita coisa é feita por meio de doações.

“Aqui será criado o Parque Arqueológico da Paraíba. A Pedra do Ingá é uma fonte de renda em potencial. Muitos estados vivem de turismo, mas há um problema: isso não dá votos. Os turistas que vêm aqui não votam. Então as pessoas se interessam pouco. Mas isso pode dar votos amanhã, porque é uma alavanca na economia. Pode gerar emprego, renda”.

 

 

 

Dennis Mota aponta mais um motivo para a Pedra do Ingá ficar de fora do roteiro de muitos turistas e ser pouco conhecida nacionalmente: a foco exclusivo no litoral e o preconceito com o interior.

“Para as pessoas descobrirem a Pedra do Ingá falta uma divulgação melhor, um incentivo por parte dos gestores e também mais sinalização. Você vem pela BR e não vê nenhuma placa indicativa da Pedra do Ingá. Até na cidade falta essa sinalização. E o governo só faz a propaganda do litoral, então já existe um preconceito com o interior nesse sentido”, reflete.

 

Onde fica a Pedra do Ingá e como visitá-la

A Pedra do Ingá fica na Paraíba, a 110 km de João Pessoa e a menos de 40 km de Campina Grande. Cabe perfeitamente num bate-volta a partir de qualquer uma das duas cidades ou como pitstop estratégico numa viagem entre elas. Outra ideia é incluir Ingá num roteiro rumo ao agreste e ao sertão – nós fizemos junto com o Vale do Catimbau, em Pernambuco.

Curiosidade: A Pedra do Ingá na Cultura Popular

Em 2020, a Pedra do Ingá vai para a Sapucaí: os mistérios do sítio arqueológico farão parte do desfile da Estácio de Sá. Mas essa não é a primeira aparição da mais famosa itacoatiara do Brasil na cultura popular. Em 1975, Zé Ramalho e Lula Côrtes passaram dois dias acampados ali. Da experiência nasceu o LP Paêbirú – Caminho da montanha do sol, que teve apenas 1300 cópias.

Só que uma enchente destruiu a sede da gravadora e reduziu o número de cópias para apenas 300, fazendo de Paêbirú um dos discos mais raros e caros do Brasil: cada unidade chegou a valer R$ 10 mil.


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